quarta-feira, 26 de junho de 2013

Os governos são a expressão da violência


PERGUNTA: Porque meio podeis influenciar os chefes de um partido ou os membros de um governo e trabalhar através deles?

KRISHNAMURTI: Pela razão muito simples de que os chefes são fatores de degeneração na sociedade, e os governos são a expressão da violência. E como se pode, como pode qualquer homem que realmente deseja compreender a verdade, trabalhar por meio de instrumentos que são opostos à realidade? Ora, porque desejamos guias políticos ou religiosos? Pela razão muito clara que desejamos ser dirigidos, desejamos que nos digam o que devemos fazer ou o que devemos pensar. Nossa educação, nossas organizações sociais e religiosas estão baseadas nisso: elas não nos dizem como devemos pensar, mas o que devemos pensar. Em tais condições, naturalmente, tendes necessidade de guias, de chefes. Porque estais confusos, porque estais a desintegrar-vos, porque sofreis e não sabeis o que fazer, apelais para alguém, para guias políticos, religiosos, ou econômicos, para que vos ajudem a sair desta caótica condição de existência. Ora, pode qualquer guia, político ou religioso tirar-vos, desta miséria, desta confusão? Prestai atenção, por favor: temos aqui uma questão muito importante. Porque o posto de guia implica poder, posição, prestigio; o posto de guia implica exploração — tanto pelo que é guiado como pelo guia. Surge o guia porque os que são guiados querem ser guiados. Quer isso dizer que o seguidor explora o guia, e o guia explora o seguidor. Sem o seguidor, que é do guia? Vê-se frustrado, sente-se perdido. E sem guia, que é feito do seguidor? Temos, portanto, um processo de mútua exploração; e onde existe o desejo de poder, de posição, de domínio, de guia, não existe compreensão. Quando o guia se torna a autoridade, a pessoa que decide sobre todos os assuntos, políticos ou religiosos, então o seguidor se torna mero fonógrafo, mero autômato; e visto como a maioria das pessoas prefere repetir, prefere ficar vendo os guias agirem, o resultado é que nos tornamos improdutivos, incapazes de pensar. Foi isso, exatamente, o que aconteceu no mundo.
            Nosso problema, portanto, é: Porque necessitamos de guias ou chefes? Pode alguém conduzir-vos para fora da confusão, que vós mesmo estais criando? Outros poderão apontar-vos as causas de vossa confusão, mas ficai certos de que esses não se tornam guias. Eu, por exemplo, vos estou mostrando a causa da confusão, mas não estou com isso me tornando vosso guia nem vosso guru. Compete-vos percebê-la e proceder de acordo, ou deixá-la de lado. Se, porém, eu vos induzisse a entrar para uma organização, se me tornasse a vossa autoridade, nesse caso eu me tornaria importante; por conseguinte, a vossa confusão continuaria a existir, e estaríeis meramente a fugir da vossa confusão e a ligar muita importância à minha pessoa; mas é à vossa confusão que deveis ligar importância, e não a mim. Portanto, eu estou fora do jogo.
            O que tem importância é que compreendais o vosso próprio sofrimento, vossa própria confusão, vossa própria dor, e vossa própria existência desastrada. E, para compreender necessitais de alguém, seja quem for? O que precisais é observar com precisão, com clareza, com olhos não embaciados pelo preconceito. E isso deveis fazer por vós mesmo, deveis olhar para dentro de vós mesmo, para descobrir se tendes preconceitos. Quer isso dizer que deveis estar cônscio de vosso próprio processo, de vossas próprias idiossincrasias. Como em geral não nos mostramos dispostos a descobrir a nós mesmos e a examinar o processo do autoconhecimento, procuramos um guia — ou, antes, criamos um guia. O guia se torna, assim, importante, porque nos ajuda a fugir de nós mesmos. O guia pode ser adorado, guardado numa gaiola, e dele se pode murmurar. O guia, portanto, é na verdade um fator degenerativo. Positivamente, quando o indivíduo, quando uma sociedade, quando uma civilização apela para um guia, isso indica um estado de desintegração. Uma sociedade criadora não tem guia, porque, nela, cada indivíduo é uma luz para si mesmo. Uma sociedade assim é o resultado das relações entre pessoas que estão em busca de autoconhecimento e compreensão, profundos, fundamentais; e tais pessoas não têm necessidade de uma sociedade estática, com os seus guias ou chefes, com suas autoritárias organizações sociais.

Krishnamurti – Da Insatisfação à Felicidade – 29 de fevereiro de 1948

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